O Brasil viu o número de motocicletas nas ruas disparar nos últimos anos, e essa tendência, impulsionada por fatores sociais e econômicos, tem um custo humano elevado. O aumento da frota, que já alcançou 29 milhões de unidades em junho de 2025, está diretamente ligado a um crescimento alarmante de acidentes e mortes, sobrecarregando o sistema de saúde e revelando a precariedade da mobilidade urbana no país.
O Custo Humano por Trás dos Números
O caso de Laura Maria de Oliveira, uma diarista de 59 anos, ilustra a tragédia que muitos enfrentam. Em 2024, ela utilizou um serviço de moto por aplicativo para economizar tempo em seu deslocamento diário, mas um acidente a deixou com ferimentos graves. Um carro mudou de faixa sem sinalizar, atingindo a moto em que ela estava. O impacto a fez “apagar”, e as consequências foram devastadoras: fraturas no úmero e clavícula, danos no nervo radial e a necessidade de múltiplas cirurgias. Mais de um ano depois, ela ainda não conseguiu voltar a trabalhar. A experiência a traumatizou, e ela agora evita qualquer tipo de transporte de duas rodas.
O drama de Laura não é isolado. De acordo com o especialista em segurança viária Victor Pavarino, da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o uso crescente de motocicletas é uma “consequência” de um sistema de transporte público falho. Em cidades que priorizam o carro e oferecem opções de transporte coletivo de baixa qualidade ou inacessíveis, a moto surge como uma alternativa perigosa, especialmente para quem tem menor renda.
Uma Frota em Expansão e Suas Consequências
Entre 2020 e 2025, a frota de motocicletas no Brasil cresceu em quase 6 milhões de unidades. Só no ano passado, o número de motos vendidas aumentou 18,6%, atingindo o maior patamar desde 2011. Essa expansão não é apenas um fenômeno econômico; é um indicador de um problema social profundo.
A motocicleta é vista como uma solução acessível tanto para a mobilidade pessoal quanto para o trabalho. Famílias de baixa renda a veem como uma alternativa mais barata que os carros, e trabalhadores informais a utilizam em jornadas exaustivas, muitas vezes sem a proteção de vínculos empregatícios. Essa combinação de vulnerabilidade econômica e falta de segurança resulta em um ciclo vicioso de acidentes e lesões.
As Motos: O Veículo Mais Letal no Trânsito
O crescimento da frota se reflete diretamente nas estatísticas de fatalidade. O Atlas da Violência 2025 mostra que o número de mortes no trânsito no Brasil aumentou a partir de 2020, e as motocicletas são as principais vítimas. Em 2023, os acidentes com motos foram responsáveis por 13.477 mortes, representando 38,6% do total, mesmo as motocicletas constituindo apenas 22,5% da frota. A cada três pessoas que morrem no trânsito, uma estava em uma motocicleta.
Os estados das regiões Norte e Nordeste, onde as motos já representam mais da metade da frota, registram as maiores taxas de mortalidade. No Piauí, por exemplo, onde as motos superam 50% dos veículos, os acidentes envolvendo esses veículos correspondem a quase 70% das mortes no trânsito.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, classifica a situação como uma “verdadeira epidemia”. Ele destaca que a maioria dos leitos de UTI ocupados por vítimas de acidentes de trânsito é de motociclistas, o que interfere no atendimento de outros pacientes, como os que aguardam cirurgias eletivas.
A Urgência de Soluções
A solução para esse problema complexo passa por uma série de medidas, tanto de longo quanto de curto prazo. Pavarino, da Opas, defende o fortalecimento do transporte público, com investimentos em qualidade e acesso, como a tarifa zero. A ideia é oferecer uma alternativa segura e viável para que as pessoas não precisem recorrer a modos de transporte individuais perigosos. Além disso, o especialista sugere a criação de cidades mais convidativas para pedestres e ciclistas.
No curto prazo, é essencial melhorar a segurança imediata. Isso inclui uma fiscalização mais rigorosa das regras de trânsito e o incentivo ao uso de equipamentos de proteção, como capacetes de qualidade e vestuário apropriado. Outras medidas, como a redução dos limites de velocidade em áreas urbanas e a regulamentação dos serviços de transporte por aplicativo para garantir a saúde e segurança do trabalhador, também são cruciais. A falta de regulamentação desses serviços leva os motociclistas a jornadas exaustivas, o que os torna mais vulneráveis a acidentes.
O secretário nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, resume bem o problema: “O cidadão escolhe a motocicleta porque não deram a ele uma alternativa segura.” A questão não é de escolha individual, mas sim de uma falha sistêmica que exige uma resposta coordenada e multifacetada.